Este pêlo branco

Aqui, nesta montanha batem os primeiros matinais raios de sol e quando este desce e se apresenta o luar tem-se a sensação de que nada se apresentou diferente do que já foi, do que é ou que poderá vir a ser. Não espere nada, nem deslumbramento nem desilusão, não é essa a brancura que se pretende.
Anseie o nulo para que atinja o supremo início do tudo de novo.
Muito gosto,
Cabra Branca.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

voz











A tua voz... lembra-me tudo o que és que eu não conheço, já tem um fim sem começo. Desejo deitar-te neste colchão, és um alguém que aquece a quem aqui está e te desconhece, mas espera delirante um tal belo amante. Todos sabem, sem medo, os que já foram, embora a nenhum lhes chegou um fim. Tu podes ser o meu império, promessa séria, entre quem te leva a este chão, sem magoar, uma e outra vez, mil vezes sem ilusão, quero ouvir essa voz, guarda-la em mim e perde-la tantas vezes e depois sempre a encontrar.
Pega em mim, eu não quero saber, eu não quero saber que estranho és. E sempre que venhas amante, tira-me, leva-me daqui e recorda que já vieste tantas outras vezes e viajaste quilómetros dentro do que sou. Se um dia tiver fim, não existe quem não se conhece, és alguém que volta sem nunca ter chegado a vir ou mesmo a partir.
Podes ser tudo, sem desculpas, altos ou baixos, não quero saber, só quero uma luz que não se apague, só quero mesmo cair neste colchão, percorrer um milhão... de mim.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Mente com todo o pecado,

porque não passas de um pecador.


Mente. Acredita num dizer que em nada se assemelha a sombrio, nem esse abraço em nada vago ou que bafa a mofado por um tempo que não existiu. Mente-me. Esquece o amanhã, o agora abona, quer brilhar como um sol bichanando uma só palavra aldrabona. Mente-lhe. Diz-te de um amor cego, que talvez seja pesado, diz-lhe sem medos o que queres, agarra e mente, vagueia crente nessa tua mente que ludibria um bocado. Mente-te. A noite vai alta, tão alta que se pode cair, arrisca em pecado, não tarda dirás adeus. Mente-lhes. Agora beija-as, dizendo-lhes que não vais nesse escuro, pelo menos não nessa noite e estarás ao amanhecer, não serás uma palavra solteira que mente no olhar. Mentiu. Salvou o momento esquecendo o ontem, esse é o som do movimento lá fora que fez tombar a chuva da trovoada, naquela cama dedilhou de prazer em forma escabrosa de quem disse, “minto pelo esquecer do amanhã”. Minto-me.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

vontade efémera


o que fora o passado poucas razões deixara para lhe motivar o presente, certo era que o sentido perdera-se. Aguardou por ele como sendo um amor de futuro, privou-se de outros amores, passou a desconhecer a própria palavra – amor – e um dia ele chegou. Vinha carregado de mentiras, pois não tinha como mostrar a verdade, nem como enterrar o passado. E veio ele, disfarçado em posturas, igualado a um presente só com caixa embrulhada. Lá dentro, recheava-se a vazio, por incertezas do que se andava a fazer. O amor.
Estavam ali acreditados disso, sentados no centro da sala, num requintado restaurante, duas secas criaturas. Repastaram surdos, engoliram mudos, afinal não se conheciam, já mais se viram. Ainda assim à mesma mesa comiam vidas vagas, passadas, jantavam mágoas, naquela elegante mesa. A toalha, imaculadamente branca, tal como o prato, os talheres cintilavam espelhando dois rostos consumidos por uma espera iludida e os copos brilhavam do lustre passado pelo pano macio, o que os livrara de qualquer impressão digital. Nada se sentia ou fazia sentido, nada aquecia, nem deixava rasto, muito menos nódoa. Oooh como uma nódoa faria toda a diferença sobre o prezado requinte. O cuidado a mais a não ser magoado, um argumento pouco sujo, pouco lavrado, muito menos rubricado, nem a gordura, nem a um só odor ou suave aroma a amor... falhou, não morava, nunca morou, para quê o ter esperado? Arrogância, altivez, quem sabe uma enorme estupidez!

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

O perfeito assassino


“então começamos com a carta do ano para o ano inteiro: a morte; a mudança, algo se renova porque algo vai "morrer". A morte, a carta mais forte de todas, vais dar início a um novo ciclo, 2013 vais começar de novo!”
estou a ler a tua morte e sinto-a tão minha, quando ainda não me dera ao desplante de a pensar só para mim. Mas agora preciso dela, quero-a. EU quero a morte, desejo-a, com maior egoísmo a espero. Paciente aguardo-a a ser celebrada pelo meu perfeito assassino.
Estranho este sentimento que inauguro ao ler-te, quase que te escuto a sussurra-la em voz branda junto ao meu pescoço. Contas-me o que a morte nos conta - a morte - quando afinal ela ainda está tão estranhamente viva, com um desgaste imenso nas entranhas mas que vive num corpo ligado a uma máquina, e essa não se quer desligar para deixar a morte morrer de vez.

Que me contas tu desse fascínio de morte? Que me faz quere-la por tudo o que seja nosso? Será uma arrogância que roça à minha altivez moribunda? Saberia-a assim confortável, a morte, a minha, parecesse tanto com a minha...  Leio, tenho um calafrio de dor, quem sabe pelo frio ao esmiuçá-la, estarei a chocar morte? A abrir lugar a uma ferida fingida a cicatrizada, onde o vírus entra sem esforço e sorve de dentro para fora como um shot rude batido no final na madeira do balcão de um bar agonizante?

E escorre-me um lágrima pelo gosto de saber de tua morte, da viveres, uma morte tão demoradamente doce, que grita prazer de a sentir como tal, como a quem do corpo só caíram os pedaços de carne um dia árduos amados, que esses bocados já não mais fazem falta. E o ranho mancha-me as mangas do casaco de andar por casa ao assistir os quilómetros percorridos da capela onde velavas até ao chão onde serias aquecido pela terra e um dia esquecido pelo tempo.

Invejo-te agora, sabendo que a tua morte já é ela tua serva, e que te cose as feridas do corpo a linha rosa e ainda as pincela a desinfectante de amor que um dia será o eterno, ela que te abria rasgos num estado de demência, ela queria se ver espelhada na luminosidade do teu sangue, das feridas angustiadas que eram suas frustrações, afinal ela é a morte.
Esclareço-me no teu estado, aquele que um dia foi de defunto e apaixono-me por ti.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013




Quis a tua nudez.
Não quis que te despisses.
David Mourão-Ferreira









Jean-Baptiste Mondino

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

azul


Nasci homem sem me aperceber que mulher seria ou terei nascido mulher? Escrevo do pouco do homem que sei e dalguma coisa de mulher que terei. Afinal, não serei nem homem nem mulher. O que escrevo, o que falo, é um acredito que acreditei, no homem que serás, na mulher que talvez serei. Tu que homem és, revela tudo o que quero saber, tudo sobre o que não saberás contar. Não será preciso, afinal como mulher digo, nem numa palavra acredito, e como homem trago em mim um macho aflito! Sei, mais fácil desventrar-te que revelar-te. Tu homem, de uma mulher saíste do escuro feminil, dum ventre sem limite. Mas te descortino, sem grande desatino e ri-te varão, lá sabes que razão, o porquê de teu tamanho, concederam-te envergadura, tal gótica arquitectura, doaram-te força e mestria, algum poder empacotado e sabedoria. E tu, sorri princesa, a ti sobrou beleza, suave brejeirice, uma forma sábia de sacanice. Eu? Já disse, nasci mulher sem me aperceber que homem seria ou terei nascido homem... que importa, escuta, bebo presunção, engulo em julgada permissão, até dou por desbarato este parecer ingrato, essa única costela de Adão que agora parece bem por ocasião. Serei fêmea em confusão? Nada disso, só quero uma razão, que há, diz másculo altivo, existe na mulher que sou e no homem que me mora, sim, sem mais demora, todo tu és macho flora, fêmea rendida, dignos de o ser, agora toma como tino, sorve esse comprimido, que tem cura. Acordamos agarrados, cegos sem sexo concedido, engole outro curativo e vejamos de repente tudo o que é diferente.